Guilherme Cerqueira, o Jimbo, é guitarrista da novíssima geração de Teresina. Ex-guitarrista da banda Nelson Theresa Café, hoje toca na 'wake up, killer!'. Tem se destacado no uso de efeitos em seu instrumento, e na criação de atmosferas sonoras. Disse-me, certa vez, que compunha como se imaginasse "trilhas de filme". Você pode ouvir o trabalho da 'wake up, killer!' em http://www.myspace.com/wakeupk .
"muita gente que não conhece as ‘regras’ jura que as estão quebrando, sem saber exatamente ‘o quê’ estão quebrando" Confira o papo.
M&I - Você já vem com uma proposta de guitarra espacial desde o Nelson Theresa Café. A idéia prossegue, na sua nova banda, 'wake up, Killer!'. Fale um pouco sobre o seu set de pedais, e qual é o timbre dos seus sonhos...
R: É. A idéia de guitarra “espacial” ou “ambiente” vem de algumas influências que adquiri de bandas como My Bloody Valentine, Sigur Rós, a fase mais “ambiente” do Sonic Youth e influências diretas de caras que normalmente não são conhecidos como “guitar heroes”, como o Lee Ranaldo, Lobão e o Fabiano do Tequinoize (banda piauiense*), que me influenciaram pelos seus timbres e pegadas.
Meu set hoje se resume a plugar minha Danelectro Danoblaster em um daddy-o(overdrive) e na seqüência um little big muff(fuzz), um chorus oliver, um dan echo, um delay voxman, um digiverb e uma pedaleira zoom 606. Meu amp normalmente é um thor plus da meteoro, mas o timbre dos meus sonhos é uma Fender Jazzmaster USA, com um Big Muff americano da Electro Harmonix e um DL4 da Line6 plugados em um Twin Reverb Fender, o resto são acessórios, hahaha
M&I - A forma como você toca a guitarra é um tanto ‘punk’, no sentido de não ter pretensões tecnicistas. O que você pensa sobre virtuosismo, e sobre a relação criatividade X técnica?
R: Eu comecei a tocar guitarra ligado em coisas como Ramones e Sex Pistols, depois passei a escutar muito Hendrix, Led Zeppellin e Mutantes. Foram esses caras que me fizeram comprar minha primeira guitarra aos 16 anos, mas nunca fui uma pessoa muito técnica e me arrependo de não ter estudado mais quando comecei. Ainda hoje não estudo o tanto que queria estudar, mas com a diferença de que hoje me falta tempo, e não vontade. Técnica é importantíssima, senti muita dificuldade quando tocava no nelson theresa café, e aprendi bastante com eles, mas acho que criatividade é um fator muito pessoal e de experiência. Um músico obrigatoriamente deve ter um conhecimento musical vasto e não se ligar sempre nas mesmas coisas sob pena de acabar sendo sempre uma cópia rala de suas poucas influências.
Quanto às pretensões técnicas, como eu falei anteriormente, eu não tenho mais o desleixo de antes, mas acho que esse desleixo de certa forma foi bom pra que eu tenha adquirido minha pegada. Hoje posso dizer sem falsa modéstia que minha forma de tocar é facilmente identificável e por isso se destaca entre os guitarristas do Piauí, posso garantir que ninguém mais em nosso estado faz um som como o meu, talvez por que eu busquei um pouco disso e saí da coisa de querer chegar o mais próximo possível dos meus ídolos; acho que isso é uma das coisas que falta aos guitarristas do Piauí, buscar mais o seu som e deixar o dos outros em paz.
Mais uma coisa: ainda acho o virtuosismo exagerado de guitarristas como Joe Satriani e Steve Vai um saco, é música pra pegar “homem”, e o rock foi feito pra pegar “mulher”, rsrsrs (Sim, isso foi uma brincadeira.)
M&I - Geralmente o rock alternativo é vinculado a um sonho de 'vanguarda'. Isso tem suas virtudes, mas eventualmente, incentiva alguns comportamentos pedantes de supostos 'entendidos', que se vendem na imagem dos 'novos rebeldes da música'.. O prof. Wanderson Lima, crítico e poeta piauiense, considera que “ (...) O novo não é necessariamente o melhor. (...) uma das heranças mais nefastas deixadas pelas vanguardas foi a idéia de um progresso contínuo nas artes.” Levando esta avaliação para a música, como você observa esta situação? Há perigos na busca desesperada por inovação?
R: Eu acho essa questão da venda da imagem muito relativa, a “última revolução” feita no rock nacional, por exemplo, busca exatamente os sons do passado, tendo bandas como Los Hermanos buscando semelhanças com Chico Buarque e outras tantas, como Nervoso, e sua influência da jovem guarda e por aí vai; em resumo, não vejo o problema como uma questão de imagem, mas sim de acesso à informação. No Brasil especificamente, tivemos um empobrecimento gigantesco no que se refere ao auto-conhecimento da música feita por nós, brasileiros, em décadas passadas, principalmente pela onda dos axés, swingueiras e pagodes que dominaram os anos 90 na música brasileira, e no espaço do rock, a predominância do famigerado “pop reggae” em todo lugar; o que juntamente com a falta de acesso aos conteúdos feitos anteriormente, pois não existia nenhum interesse das majors em divulgá-lo. Isso fez com que nós mesmos não soubéssemos o que produzíamos, o que tornou coisas como os discos da fase racional do Tim Maia ou os discos psicodélicos do Zé Ramalho e do Alceu Valença, verdadeiras pérolas! Por isso, com o advento da internet e proliferação dos blogs, essas informações se popularizaram, e hoje o que ocorre é que muita gente que é considerada ‘vanguarda’, é vanguarda apenas nas roupas e nos cortes de cabelo; mas não podem ser menosprezadas por não terem um “som de vanguarda”. Vejo essa busca pelo passado como uma espécie de auto-reflexão sobre o que foi produzido no Brasil. Acho que isso é o que marcou os anos ‘00’: foram os anos da auto-reflexão, e, ao contrário do que alguns dizem, de não haver qualquer revolução significante, a internet é uma revolução tão grande quanto a de busca por liberdade sexual nos anos 60. A possibilidade de você mesmo produzir e distribuir é uma mudança mais profunda do que as pessoas costumam mensurar, vide o caso do Artic Monkeys , tendo o single mais vendido da história da inglaterra e sendo uma banda popularizada no My Space. Hoje somos quase livres! Agora, respondendo ao questionamento exatamente, esse tal progresso contínuo e interminável, me parece mais como uma alienação, principalmente quando se leva em conta que muita gente que não conhece as ‘regras’ juram que as estão quebrando, sem saber exatamente ‘o quê’ estão quebrando. Mas não vejo isso como algo negativo. Acho que tudo é permitido na música: o mesmo progresso tecnológico que nos trouxe os sintetizadores ordinários dos anos 80, se rendeu aos computadores e nos deu ‘paranóias de andróides’ (risos). Os anos 00 realmente são riquíssimos, e algumas das melhores bandas que já escutei em todos os tempos estão nos anos 00, por isso eu digo: o único perigo que essa exploração exagerada pode trazer é para si mesma.
M&I - Você tem objetivos de profissionalização na música, ou leva como um hobby paralelo a sua profissão de advogado?
R: Hoje é um hobby que eu levo muito a sério.
M&I - Quais são os músicos piauienses que você admira?
R: Como eu já disse lá em cima, tem o Fabiano do Tequinoize, tem a Milena do Tequinoize, que é uma das vozes mais bonitas que eu já escutei em Teresina; tem o Renato e o Douglas do Clínica Tobias Blues, o Sandro também é uma pessoa que eu admiro pelas atitudes, gosto muito do Luizão Paiva e do “Andrezinho”, adoro a técnica do Daniel do Radiola e sou fã do Jucélio. Mas os músicos que mais me interessam hoje no Piauí tocam comigo. (risos)
Tem outras pessoas que eu admiro bastante, mas não sei o nome deles, só os assisti tocarem e não os conheço pessoalmente, por isso não citei.
M&I - Existe um discurso regional dominante, que influencia inclusive decisões em concursos oficiais de música - embora isso não seja dito claramente. Por outro lado, essa postura oficial de incentivar o que se considera “próprio” da região é uma tendência mundial, para tentar de alguma forma frear o aspecto negativo da globalização cultural, que vai diluindo as particularidades regionais. Como você analisa essa situação, dentro do seu trabalho como compositor?
R: Acho uma grandessíssima besteira, e essa coisa do “regionalismo”, pra mim, soa mais como um tentáculo do esquerdismo alienado e daquela síndrome do “1968, o ano que não acabou” nas instituições . Veja bem, nós já conversamos muito e todo mundo sabe que eu sou de esquerda, mas não sou é trouxa, temos de nos contextualizar. Quanto ao regionalismo no som das bandas em si, eu acho que cada um deve fazer o som que lhe agrada; eu não me identifico, mas não ignoro. Gosto muito de Narguilé Hidromecânico. Um dos melhores shows da minha vida foi um show deles que assisti em 2002, mas tenho de ser franco: hoje eu não tenho a menor intenção de colocar uma zabumba na minha banda.
M&I - É complicado saber exatamente os detalhes que levaram à saída de Marcelo Evelin sem ser de dentro, mas o que você pensa sobre o conflito na direção do teatro JPII?
Não concordo nem com a posição do grupo que dirigia o teatro e nem com a posição do atual superintendente da Fundação Monsenhor Chaves. Acho que a forma de trazer o público do Dirceu para o teatro é integrando o povo, fazendo a população participar ativamente na criação, na montagem e na divulgação dos trabalhos, afinal o Teatro é do Povo e foi feito para o Povo e não necessariamente deve ser apresentado peças de "vanguarda" nem peças "regionais", mas sim o que o Povo quer.
M&I - Obrigado Jimbo. Pode dar seu recado...
R: Bom, dias 28 e 29 de maio vai ocorrer o THE Indies 2, dia 28 no Merceraria Pub Bar e dia 29 no Raízes, vamos tocar dia 29. Queria dizer que o Bueiro do Rock é uma das casas de show mais fodas de Teresina e acho que todo mundo deveria dar uma passada por lá pelo menos uma vez na vida. Por fim, agradecer o interesse no meu trabalho e o espaço oferecido e dizer que temos ótimas bandas no Piauí, e que estaremos sempre trabalhando pra mostrar isso!